Ao longo da carreira enquanto professora, em diversos momentos me senti inapta a ensinar. Por mais que eu tivesse contato com o inglês ao longo de toda a minha vida, passado por treinamentos para professores, tivesse a certificação necessária que me qualificava como professora e o domínio do idioma, eu ainda me sentia insegura e questionava as minhas habilidades na área. E todo esse contexto de preparação já estava concluído antes mesmo de eu entrar em uma sala de aula como professora pela primeira vez.
Concorde comigo que não havia um motivo aparente que explicasse o porquê de eu me sentir uma farsa. Mesmo assim, eu me sentia...
Esse sentimento é descrito pela psicologia como Síndrome do Impostor, e é um mecanismo que envolve a forma como cada um vê a si próprio, principalmente com relação às suas conquistas profissionais (mas não apenas elas). Tem como característica dominante pensamentos que desvalorizam o seu trabalho, levantando ideias como “não ser bom o suficiente” ou “não estar à altura do que está acontecendo”. Passa a constante sensação de despreparo, como se todo o sucesso e desempenho profissional fossem fruto de sorte, parte de uma fraude de competências que a qualquer momento pode ser desmascarada.
O seu desenvolvimento se dá a partir da incapacidade de assimilar os próprios méritos e conquistas, desconsiderando, inclusive, a validação e o reconhecimento trazido por terceiros. É parte de um processo de elevada exigência e comparação, estabelecendo uma autocrítica cada vez mais forte, fazendo com que a pessoa desacredite em seu próprio potencial – pouco importando se ela é perfeccionista. Todos ao seu entorno se tornam modelos – pessoas competentes e fantásticas em quem nos inspiramos e gostaríamos de ser tão bons quanto. O problema é que, quanto mais olhamos para as conquistas do outro e nos comparamos a ele, maior a nossa incapacidade de enxergar as nossas próprias conquistas e de reconhecer a nossa dedicação.
Eu, por exemplo, costumava utilizar como justificativa para essa situação o fato de não ter viajado para um país cujo idioma oficial fosse o inglês, e a falta dessa experiência me impedia de concretizar, internamente, a minha imagem enquanto professora de idiomas. Ou, ainda, que eu jamais seria uma profissional qualificada, tendo em vista que existem professores nativos que seriam, necessariamente, melhores do que eu em qualquer aspecto. E por conta disso eu procurava compensar essa situação com muita dedicação e estudo. Mas a sensação de inaptidão continuava presente, porque todo o meu esforço não era suficiente para me convencer do contrário.
Nessa jornada de dedicação e aprimoramento para me convencer de que eu era apta a ensinar inglês, colecionei mais alguns certificados de cursos e provas que fiz para garantir que eu sabia o que estava fazendo. Aos 22 anos fiz o CPE, uma prova difícil, longa, que exige muita concentração e domínio do idioma. Uma prova que me diria se eu era uma falante de nível C2 do CEFR – com domínio pleno do idioma em contextos formais e informais, que consegue ouvir a língua em diversos contextos, tem domínio sobre a escrita, vocabulário avançado, entre outras habilidades. Eu passei, e sou uma falante C2 certificada pela Cambridge Assessment desde 2014. Mesmo assim, 5 anos em sala de aula, 4 cursos sobre metodologia de ensino e uma prova de proficiência não me fizeram menos insegura.
O mais interessante é que quando comparo a minha trajetória e as minhas justificativas para inseguranças com as características da Síndrome do Impostor, fica cada vez mais evidente o quanto eu me autossabotava enquanto profissional. E a minha resposta a essa situação sempre foi estudar mais, de forma que amenizasse o sentimento por saber que eu estava fazendo alguma coisa que pudesse melhorar o meu desempenho. Até que, em 2019, algumas coisas começaram a mudar na forma como eu me enxergava, e eu me tornei mais consciente da profissional que eu estava me tornando. Depois de 2 anos trabalhando num negócio meu (a Mova Aceleradora), desenvolvendo um trabalho individualizado de ensino e procurando por mentorias que me ajudassem a entender as necessidades dos alunos, escolher materiais, avaliar progresso e aproveitamento, eu comecei a interagir com outros professores que abriram os meus olhos sobre o trabalho que eu desenvolvia.
Nesse momento eu percebi que as justificativas que me “invalidavam” como profissional eram, literalmente, coisa da minha cabeça – que era um mecanismo meu de cobrança, exigência e perfeccionismo somados à sensação de nunca ser suficiente. Eu estava recebendo a validação de outros profissionais que já tinham conquistado aquilo que “faltava” para eu me concretizar enquanto professora de inglês – a experiência com a língua em um país cuja língua oficial fosse o inglês. E assim, no dia 31 de dezembro de 2019 eu embarquei no meu primeiro voo internacional em direção à terra da rainha para realizar o CELTA, um curso que eu não esperava ser aprovada para entrar na turma. Foi um momento de realização e de quebrar a crença de que, por mais que eu dissesse que a chave da fluência não era um intercâmbio, essa seria a minha validação final como professora.
Foi um mês intenso. 4 cidades, 2 países, inúmeras conversas com falantes de diversos locais e uma sala de aula com 11 professores para aprender um dos frameworks mais respeitados do mundo. A maior surpresa dessa experiência? Me deparar com o fato de que uma das tutoras não era uma falante nativa. Florence Coquery, que, diga-se de passagem, é brilhante no que diz respeito a conhecimento, é natural da França. Dos 8 nativos que faziam o CELTA, os oito não sabiam sequer o nome dos tempos verbais em inglês. E eu, a que nunca tinha saído do país, ajudei todo mundo com fonologia.
A cada dia que passava, a história da viagem internacional, do passaporte lotado de carimbos e do inglês de nativos ia fazendo cada vez menos sentido. E fazia cada vez mais sentido as incontáveis horas de estudo que eu dediquei ao aprendizado do inglês. Os livros que li, os cursos que fiz, as provas que prestei e todo o conhecimento teórico e prático que acumulei ao longo desses anos. Foi em Londres que eu finalmente percebi que o que me fazia ser uma profissional qualificada, uma excelente professora de inglês, era o fato de eu me entregar, inteiramente, à experiência de ser professora – que nada mais é do que ser uma eterna aluna.
Hoje, a insegurança não me pega mais. A Síndrome do Impostor ficou no passado, e por mais que ela tenha sido parte do meu processo de construção enquanto profissional, teria sido muito mais fácil (e saudável) me reconhecer professora sem precisar me diminuir, sem duvidar da minha capacidade e sem questionar as minhas habilidades. Ao mesmo tempo, com Síndrome do Impostor ou não, a verdade é que esforço e dedicação constroem, sim, um profissional bem qualificado, preparado para oferecer um serviço de excelência. E se eu me tornei essa pessoa, não é porque eu me perdi no meio da montanha na Escócia, ou porque esqueci minha carteira dentro do ônibus em Manchester, ou porque tive que procurar uma farmácia em Liverpool quanto estava ardendo de febre, ou porque torci o pé no metrô em Londres e precisei de atendimento.
Isso tudo é experiência, mas o que me faz ser uma boa professora é estudar para ser uma boa professora. Ser nativo, ter o passaporte carimbado e conhecer muitos países é incrível, são experiências que agregam muito em diversos aspectos. Mas não é isso que faz um professor mediano se tornar excelente, e sim quanto tempo você se dedica a estudar para melhorar sua prática em sala de aula. Precisei de muito tempo para chegar a essa conclusão, mas venci a sensação de farsa e fraude. Chega um momento em que você reconhece que sabe o que está dizendo e fazendo. E não tem insegurança que te faça pensar o contrário. Mas, para isso, é necessário estudar – não tem outro caminho.
Por Aline Coutinho
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